sexta-feira, 8 de abril de 2011

A roupa e o homem


Estou orientando na universidade dois alunos que, num ato de coragem extrema, resolveram fazer sua monografia final de conclusão do curso de arte em gastronomia. Se falo e exalto suas coragens é porque sou um estudioso das artes da cozinha e comsigo ver os desdobramentos e interfaces da mesma com o universo da arte contemporânea, coisa que algumas pessoas do meio acadêmico ainda não enxerga. Ancoro-me no grande link entre a cozinha e o conceito artístico que foi definitivamente feito por Ferrán Adriá, mítico chef espanhol, que, ao ser convidado para ser um dos artistas a compor o time da Documenta, refinada mostra de arte contemporânea que acontece em Kassel, na Alemanha, demarcou o território das artes da comida dentro do mundo das reflexões artísticas.
O encontro com estes dois alunos - Anna e Lucas - me renova como professor, pesquisador e como pessoa. Nossa conversas, por mais que estabeleçam mais perguntas do que respostas, gera um estado de alegria interna em nós que vale todo e qualquer esforço na direção da realização pessoal. Eu os vejo com os olhos já fixos no horizonte profissional na área da gastronomia mostrando a certeza disto na vida deles e o encantamento pela arte da comida é fato real. Percebo isto no olhar fixo de Anna que ouve atentamente tudo que falo com ela, e a mim só resta viabilizar o assunto dentro do formato acadêmico e estabelecer o fluxo do rio das ideias de ambos no sentido de desaguar num oceano maior, que é o exercício transformador do alimento em experiência estética.
No nosso último encontro, um deles, o Lucas, abriu a molchila que carregava e dela retirou sua roupa de chef, que usa nas aulas práticas que cursa em outra instituição. Numa performance muito natural, desdobrou o avental, a jaqueta e a toque blanche e os vestiu na simplicidade de que aquilo já faz parte da sua rotina, mas ao vê-lo vestido daquela forma e - principalmente - ver seu olhar iluminado pela alegria de ter se encontrado nesta altura da vida, onde a maioria dos jovens navega num mar de dúvidas, me fez sentir uma emoção única. Aquele uniforme tomou outra dimensão vestido por aquele sujeito e o "fez". Tal como uma armadura esta roupa preservava dentro dela uma pessoa ciente de sua contribuição para o mundo.
Tenho certeza que ambos farão um trabalho exemplar para todos que virão após eles.

Um comentário:

  1. Oi, Afonso.

    Não sou do meio mas dou-lhe meu apoio microscópico. Se as pessoas entendessem o pensamento complexo de Edgar Morin compreenderiam a bendita da transdisciplinaridade e não colocariam dificuldades desnecessárias às pesquisas que fogem do convencional. Já me disseram, por exemplo, que romance policial e blog não são temas literários. Ora, vá...

    Um abraço.

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