terça-feira, 28 de junho de 2011

Galinha da Angola com legumes


Segue esta sugestão de preparo desta ave tão saborosa:
Pega-se uma galinha da angola já limpa e devidamente lavada e seca com uma toalha de papel. Corta-se pelas juntas e deixa-se descansar numa travessa junto com os miúdos se estes forem do gosto dos comensais.
Pica-se em pedacinhos pequenos - cubinhos - cenouras, abobrinhas, vagens, couve-flor e outros semelhantes do agrado do cozinheiro. Também cebola e alho podem ser picados como se fizer necessário em quantidades coerentes com a receita. Estes ingredientes devem ser acrescidos à travessa onde repousa a galinha, junto com sal e pimenta a gosto,fazendo uma mistura para temperar a carne por pelo menos 40 minutos antes de se iniciar o cozimento. Se quiser já colocar salsa, cebolinha e manjericão frescos, pode, ou então deixe para a finalização.
Passado o tempo de perfumaria, numa panela grande joga-se partes iguais de azeite e óleo na medida certa para dar uma dourada nas partes galinha, o que deve ser feito com paciência, já que a carne desta ave pede tempo certo para não endurecer pelo excesso de cozimento. Separe cada pedacinho da galinha dos legumes de tempero e jogue-os na panela, deixando os vegetais separados para depois.
Feito o douramento, junta-se à carne os legumes escolhidos e a cebola e o alho, mexendo para fazer uma alternância dos componentes para não queimarem no fundo da panela. Tampe e vá olhando de vez em vez.
Assim que notar que já foi solto um líquido no cozimento, junte um pouquinho de água, corrija o sal e a pimenta e vá provando delicadamente a carne para ver se não passa do ponto de maciez perfeita. A quantidade de água a ser colocada gerará mais ou menos caldo. Eu prefiro com muito caldo pois este fica deliciosamente delicado.
Conferido que está mesmo pronta a carne, ao gosto do freguês, é só retirar da panela, colocar numa linda travessa e decorar com um buquê de salsinhas e flores de majericão. Comer com os olhos é fundamental.
Na mesa a galinha vai fazer um bom par com um arroz branquinho e soltinho e/ou uma farofa feita na manteiga, ambos pensados para captar no prato o caldinho que ficará no fundo da travessa. Ah, um azeite maravilhoso vai bem também.
Se a bebida for um vinho, lembre dos encorpados pois farão uma excelente combinação com a carne intensa desta maravilhosa ave africana.
É isto. Uma delícia.

Tô fraco! Tô fraco!


Fui curtir parte do feriadão de Corpus Christi no sítio de um amigo. Fui lá ciente que o convite também era uma convocação para que eu dedicasse parte da estadia na cozinha da casa, fazendo a alegria deles que poderiam se esbaldar pelo campo, pomar e redes sem se preocupar com a comida. Aceitei a função pois são amigos fiéis e merecem tal dedicação e, no caso, eu não comeria sozinho, mote deste blog.
O dia estava absurdamente ensolarado e o céu era de um azul pleno, pedindo um amarelo cacho de acácias para se mostrar mais azul ainda. Sem acácias florindo, os ipês fizeram as vezes de causar o contrastante impacto visual com a sua floração dizendo: "Como é bom encantar os humanos".
Mas o assunto aqui é comida e, chegando no local, a visão que tive de um fogão à lenha me animou bastante: cozinhar num é privilégio raro para habitantes urbanos. E pus-me a pensar: o que cozinhar para este pessoal? Logo uma visita à horta tornou-se fundamental, já que o que se planta no sitio é 100% orgânico, o dernier cri da culinária nos dias de hoje. Lá fui eu à caça de inspiração.
Porém, andando até a plantação numa aprazível trilha no campo, meus ouvidos foram atingidos por um canto - ou seria um grito? - de "Tô fraco! Tô fraco!". Fez-se a luz na minha procura ao cardápio que poderia surpreender os comensais: farei uma galinha da angola.
E lá estavam elas, desfilando soltas pelo mato nos presenteando com suas belezas africanas. Esta galinha não deve ser criada confinada pois seu território é aquele das andarilhas, daí ter uma alimentação tirada da terra e das plantas, o que a torna muito "orgânica" e portadora de uma carne saborosa.
Resolvido o drama do menu, troquei ideia com a mulher do caseiro a convocando para o pior da ocasião: o sacrifício e preparo da penosa. Neste campo não tenho muita prática e derramamento de sangue não é o meu forte (os vegetarianos adorarão esta frase) e a senhorinha foi gentil aceitando a tarefa e, tempo depois, levou a galinha já morta e limpa de suas penugens, deitadinha numa panela de pedra, pronta para o preparo. Suspirei aliviado e lá fui eu fazer o prato que surpreenderia os amigos que, até na hora de se sentarem à mesa, não souberam o que seria servido.
O cheiro despendido do cozimento encheu a casa de um perfume animador e o visual do prato ficou atraente. Ninguém desconfiou que era uma galinha da angola, já que cozida sua aparência é de um frango caipira, mas o degustar da forte carne de caça (termo meu) foi aprovado e fez um belo casamento com um vinho (também orgânico) que levei. Como os rostos ficaram iluminados à mesa.
Depois do restauro de cada um, as redes acolheram os convidados que se deixaram levar pelo barulhinho do córrego, o farfalhar das árvores e o canto discreto dos passarinhos e dormiram o sono dos justos, ou dos satisfeitos.
Já eu fiquei olhando a paisagem sentado num balanço na varanda e lá longe, bem baixinho, pude ouvir o grito das parceiras da tarde com o seu "Tô fraco! Tô fraco!" feliz por estarem soltas no mundo e ainda longe de serem as preferidas dos cardápios de muita gente.
Segue no outro post a receita do prato.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Na praça






Estive em SP de novo para uma semana de atividades que incluiu o lançamento de um livro de história da moda (de autoria de um grande amigo) e uma visita com meus alunos da Pós-graduação em estudos Afro-Brasileiros ao museu homônimo no Parque Ibirapuera. Apesar de uma agenda apertada me aguardar, tive tempo para dar as visitadas de praxe aos restaurantes que proliferam na capital paulista. A questão sempre é a mesma: repetir as visitas aos lugares que me impressionaram pela qualidade ou visitar novos estabelecimentos? Na dúvida fiquei com as duas opções.
Eu tinha lido numa resenha de jornal que a região central da cidade tinha um bom lugar para se comer, o restaurante Piazza 36. Acreditei na dica e fui lá ver como a coisa funcionava.
O lugar é na Praça da República, daí o nome e o número que o identifica, mas o proprietário soube jogar com a localização, já que o prédio é interessantíssimo com portas e janelas que se abrem para a lateral do Caetano de Campos e toda sua imponência. Ponto pra eles.
A programação visual do ambiente é muito bem pensada pois joga com o design retrô original da casa mas o aproveita dando um upgrade nos detalhes, o recolocando numa jogada contemporânea. Outro ponto para eles.
O esquema do almoço é um buffet aberto com uma bela mesa de boas opções de pratos frios que inclui um grelhado com acompanhamento quente. Nada mau. Aliás achei interessante ter uma oferta de pratos com uma quantidade que não se mostra escassa nem com aquela fartura excessiva que desnoteia o comensal. Dá para se comer bem sem a ansiedade de querer provar de tudo um pouco. Outro ponto marcado.
Eu me servi bem no buffet e depois comi um cordeiro grelhado com risoto de espinafre, tomate seco e mussarela. Foi o suficiente. A porção era exata para saciar a fome e não atrapalhar o retorno ao trabalho. Ah, existe uma carta de vinhos simpática com oferta em taças, o que ajuda bem no acompanhamentoe não obriga a se exceder nas doses.
Terminado o almoço (não comi sobremesa...) um expresso finalizou o repasto e a conta veio honesta, ou seja, coerente com a qualidade de tudo. Compreendo que esta parte da cidade, o Centrão, é terreno de casas que atendem de modo objetivo a clientela de executivos, comeciantes, etc. normalmente com ofertas neste formato de self service, mas a simpática casa tem seu diferencial e merece ser visitada sem pretensão.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Galinha gourmet




Depois de ter sido a rainha dos quintais - quando havia quintais - a galinha se viu banida ao limbo industrial das granjas e dos esteróides galináceos (isto existe?) virando até referência para a medição da economia do país, quando figura na lista de bens acessíveis às classes C e D. Porém a redenção da penosa parece surgir no horizonte no nicho da comida orgânica. Existirá uma galinha (ou frango) orgânico. Sim!
Segundo os programas rurais televisivos ela já está por aí ciscando livre em fazendas, comendo minhoca, dormindo nos puleiros e tomando banho de terra. Elas devem estar adorando, mesmo que o seu destino seja o mesmo das suas colegas menos privilegiadas da granja, ou seja, o cutelo. Mas nós, consumidores, vamos na onda já que o sacrifício da raça está tão longe dos nossos olhos que continuamos crendo que galinha é produto de geração espontânea do mundo dos supermercados.
Com a chegada desta versão politicamente correta da ave, também veio o resgate de coisas antes esquecidas pela higiene da mesa, como seus pezinhos enrugados que são tão indesejáveis no prato quanto quando aparecem nos rostos das pessoas, mulheres majoritariamente. Mas já há o movimento pró-pé de galinha.
A recuperação de receitas onde aparece o dito e suas contribuições para o sabor é fato. Não se vê mais com estranheza uma receita de canja onde o ingrediente faz parte, mesmo que sua aparência indisfarçada predomine, mas, para minimizar o impacto, é bom que se retire as unhas (conselho essencial). Se a culinária popular resgata a canja, os restaurantes sofisticados resgatam a versão chic oriunda da culinária oriental, como fez Ferrán Adriá no seu quase finado El Bulli, onde se desossa a patinha e a pele é servida frita até uma crocância popcorn, deliciando os sentidos. E paga-se muito por isto.
Como aqui sou apenas um comentarista, fica a sugestão de uma revisão de valores em relação ao aparelho locomotor destas coitadas que são parceiras da nossa fome desde muito tempo atrás.
Quanto ao pé de pato como iguaria, isto tratarei após o impacto deste post atual ser devidamente assimilado.

O que é isto?


Conviví muitos anos com um amigo que, além de amigo, era um excelente gourmet. Uma das coisas que ele mais comentava comigo era sobre a sua descendência de uma enorme família alemã que veio ganhar a vida no Brasil no início do século XX, se estabelecendo na nova terra no comércio de carne de porco, como proprietários de açougues e abatedouros. Imagina-se o que era a chegada deste pessoal por nossas plagas e a dificuldade de aprumar economicamente. Segundo o amigo a coisa não era fácil e isto se refletia na mesa da família.
Como a origem do dinheiro era da venda de carne de porco, as partes nobres do suíno eram todas comercializadas, sobrando para o consumo de casa aquilo que conhecemos como "as partes menos nobres". Seguindo o relato do nosso personagem, às vezes pousava na mesa coisas inidentificáveis saídas das entranhas do porco, ou seja, os "miúdos", assim como as extremidades físicas do bicho, como o rabo e as patas, além do focinho, orelhas e etc. Mas o exímio preparo tornava tudo mais fácil de encarar e, no fim das contas, esta culinária se tornava comida de infância e daí entrava no referencial gastronômico das pessoas. Além de virar cultura.
Comer é ato cultural, daí termos tantas coisas que causam repulsa em povos diferentes ou em pessoas diferentes. No caso do nosso porquinho esquartejado, acredito até que conseguimos traçar de modo democrático as suas partes baratas (afinal o critério é econômico) diluídas em muitos pratos da culinária nacional. A feijoada, o angú a baiana, a farofa, e outros quitutes fazem parte da nossa vida desligados deste conceito de "comida estranha", mesmo que os restaurantes tenham banidos muitas destas iguarias exatamente pela questão do preconceito ou do prêço. Mas como tudo possui energias complementares, a culinária brasileira que marca seu território no universo gastronômico mundial firma seu espaço exatamente por estar resgatando hábitos que foram banidos pelo "chiquê" da tal culinária internacional.
Sai o modismo das excentricidades importadas e entra a tradição brasileira e neste arrastão começa a tomar lugar esta cozinha genuína que fala à boca, ao estômago e ao coração.
Eu tô adorando isto.

domingo, 29 de maio de 2011

Bar da Dona Onça






No centrão de São Paulo fica o edifício Copan, obra de Oscar Niemeyer, que surge naquele miolo da cidade como uma grande onda, algo assim como um tsunami de concreto, e é uma das raras marcas identitárias da capital paulista. Se no Rio abundam referenciais como o Cristo, o Pão de Açúcar, etc., em SP poucas são as marcas reconhecíveis e o Copan é uma delas. Pois bem...
No meio do Copan, ou melhor, embaixo dele, existe o Bar da Dona Onça, instituição culinária que guarda boas surpresas para quem lá vai fazer seu lanche ou almoçar. Fui lá bater meu ponto de gourmet (gourmand...rs...) e refastelar com a fartura da casa.
Com a chef Janaína Rueda à frente dos fogões, come-se (muito) bem na casa. O lugar já foi mais popular mas a fama de boa comida levou mais gente ao local e agora o bar passa por uma revisada geral em alguns quesitos e o cardápio sofreu um up grade nos valores. Mas mesmo assim vale a pena ir comer lá pelo charme da casa e para conferir os pratos tradicionais: feijoada, bisteca de porco, tartare de banana, escondidinho, maxixe, etc. Com o frio surgem novidades como o strogonoff de filé com mandioquinha sautée e arroz soltinho, o bolinho de espinafre à moda da Sissi, o brie ao forno com mel e o gaspacho com camarões, além do couvert que antecede tudo com pães, manteiga, patê caseiro de fígado, almôndega e mini salada.Ufa!!! Em resumo, muita coisa boa para a gente se deliciar.

Serviço personalizado





O self service chegou ao Brasil e derrotou assintosamente o império da fast food. Nossa comida a quilo é um fenômeno a ser estudado em todo seu espectro de possibilidades de alimentação. E o hábito popular do prato auto servido chegou às grifes da alimentação, como é o caso da Pizza Bros, em São Paulo.
Fui com um amigo comer na filial da Praça Vilaboim, bairro chic da pauliceia e me ví diante de um cardápio de comida italiana - pizza na maioria - mas também com um bufê de pratos que logo caiu o nosso agrado. A casa, de propriedade de Franco Ravioli, cumpre o que promete e a oferta de comida de qualidade é farta. Valeu o almoço e a iniciativa do amigo, e o repasto nos preparou para a visita à exposição de Grace Kelly na FAAP, logo em frente.

Ici Bistro






Em temporada cultural em São Paulo, este que vos fala deu-se ao direito dos prazeres da carne (e do espírito, óbvio) indo a alguns enderêços gastronômicos da capital da boa mesa do Brasil. Depois de uma manhã refinada assistindo a um concerto na Sala São Paulo, fomos eu e o casal de amigos que me convidou para o programa erudito, almoçar no Ici Bistro, local sugerido por mim que já havia pisado lá em outra ocasião.
Situado na rua Pará, atrás do cemitério da Consolação, o restaurante tem o sossego necessário para um repasto tranquilo. Esta região da cidade paulista desponta como uma "Recoleta paulista", clara referência ao bairro potenho onde proliferam ótimas casas restauradoras, vizinhas ao famoso cemitério onde descansam os VIPs argentinos do passado.
Com uma fachada muito simpática, a recepção dos funcionáios é imediata e amistosa.
Bem, uma taça de espumante veio à mesa para aguardarmos a fila de espera sem stress, sentadinhos num confortável sofá. E logo chegou a nossa vez de ir à mesa e fazer os pedidos. Eu fui de vichysoise com ostras como entrada e depois um levíssimo spaguetti de frutos do mar devidamente acompanhado de um vinho branco italiano que caiu perfeito. Para encerrar uma torta de Valrhona que estava perfeita já que toda a manipulação dos ingredintes não roubou o sabor nem a textura deste chocolate que tanto gosto. No fim do almoço fomos felizes para casa cientes de que a mesa é um ótimo lugar para as partilhas da vida.
Valeu!!!

domingo, 24 de abril de 2011

Viradas em Tiradentes






Feriado da Páscoa. Lá fui eu e uma amiga querida passar o sábado de Aleluia na histórica cidade de Tiradentes, que fica perto das nossas cidades de residência. Para mim a viagem surgiu como uma oportunidade de cumprir com uma obrigação no mínimo anual: ir nesta cidadezinha que me faz falta existencial, pela beleza, e também me faz falta gastronômica, já que é um antro de restaurantes bons.
O dia era de sol radiante o que fez com que a cidade nos impressionasse o suficiente para percorrermos o centro histórico e depois pousássemos nossos cansaços num banquinho de pedra, debaixo de uma árvore e aguardássemos a chegada da nossa ilustre convidada, a fome, que, diga-se, veio rapidinha.
Onde comer? Dúvida cruel!!! Nem tão dúvida, nem tão cruel. Com a imensa variedade de restaurantes a solução é fácil de ser resolvida, e como minha amiga não conhecia o Viradas do Largo, da chef Beth Beltrão, local onde bato o ponto quando vou a Tiradentes, foi para lá que fomos.
Chegamos cedo, mais ou menos ao meio-dia, no intuito de descansar e ficar observando a tranquilidade do lugar, mas, - surpresa! - já estava quase cheio, porém ainda conseguimos lugar na varanda virada para vistosos pés de couve e taiobas vicejantes. Fomos logo atendidos por um garçon que estava visivelmente afetado com o sufoco de ter que atender tanta gente num restaurante onde, normalmente, vão muitas pessoas mas espaçadamente durante o passar do dia, afinal o Viradas do Largo figura como um dos melhores do Brasil no Guia Quatro Rodas a anos. Mas o jovenzinho se rendeu aos muxoxos meus e da minha companheira e nos atendeu numa precisão perfeita: minha caipirinha de lima chegou em tempo record à mesa depois dele ter me ameaçado com uma demora infinita. Ponto pra Beth!
Conversa boa - é sempre assim com gente inteligente -, dia tépido, sombra fresca, assim foi correndo nosso repasto onde as bebidas foram sorvidas acompanhadas de uma mandioca frita daquelas: crosta crocante por fora, creme úmido por dentro. Antes que a caipirinha - perfeita, gelada e cometida com pinga estrelada - fosse o prato único, chegou a hora de decidirmos o que comer.
O cardápio da Beth é despido de muitos arroubos criativos, já que é proposta dela proporcionar autênticos pratos da culinária tradicional mineira. Um ou outro prato demonstra uma intervenção da chef, porém boa parte da oferta se restringe aos tutús, tropeiros, mexidos e um prato chamado Minerin Pomposo, feito com bacalhau, que é o que dá direito ao prato da Boa Lembrança, confraria da qual o Viradas faz parte.
Decidimos por um tropeiro e não fiz comentários com a minha amiga para não quebrar a surpresa que aconteceria com a degustação. Falo isto porque é fácil deduzir o que pode passar na mente de alguém, nascido e criado em Minas, quando se pede um prato tradicional e o que pode surgir daí. A resposta veio quando pousou na nossa mesa uma panela de barro com belos nacos de lombo e costelinhas de porco, linguiças e torresminhos, todos delicadamente deitados numa caminha de couve picada fininha e do feijão tropeiro, além de um arroz branquinho de acompanhamento. Era a hora da verdade!
Na primeira garfada minha colega de viagem virou os olhinhos, sinal de que havia percebido o porque da fama da Beth no Brasil e no mundo. A sensação é que esta é a primeira vez que se come tal prato. Depois desta experiência todos os outros tropeiros comidos na vida ficam anulados: a delicadeza é única. Mesmo composto pelos ingredientes que figuram nas listas negras de médicos e nutricionistas neuróticos, no caso específico tudo parece diet, devido ao cuidado no fazer, na qualidade do material, na dosagem perfeita dos tempêros e na sensibilidade da chef em perpetrar a receita de modo tão delicado.
Nos deliciamos do início ao fim com a iguaria e minha amiga ainda se permitiu comer uma sobremesa genial: sorvete de queijo com calda quente de goiabada. Nossa, estava divino.
Terminado o repasto só nos restou dar uma volta para despedirmos de Tiradentes e do belo dia e pegamos uma estrada vazia, tranquila onde predominou um assunto único: a experiência promovida pelo maravilhoso almoço. Ficou na memória a figura simpática da Beth Beltrão e seu avental feito com uma bandeira do Brasil. Perfeito!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Prato vazio


Desde março que batalho uma viagem ao Peru. Queria proveitar a estação da seca e ir lá ver as maravilhas de Cuzco, Machu Pichu e os desenhos de Nazca. Confiante na minha empreitada me vi frustrado nesta semana pela notícia de que não há vagas para meu destino sulamericano até setembro. O motivo? Os novos brasileiros com grana no bolso que querem fazer uma viagem internacional. Nossa, imagino como está para ir para Buenos Aires...
Bem, fiquei meio sem rumo com esta quebra nos meus planos de férias mas, antes de lamentar o adiamento para 2012 desta empreitada cultural, lamento o cancelamento que tive de fazer da minha reserva no restaurante Astrid y Gastón, hit culinário na cidade de Lima. Foi doído...
O referido restaurante é considerado um dos melhores do mundo e o chef Gastón Acurio é uma celebridade lá e no resto do planeta, daí eu ter planejado comer na casa num dos dia da viagem. Conseguir uma reserva tem que ser com certa antecedência, não necessariamente com 5 meses como eu fiz, mas a casa anda lotada desde que passou à frente de restaurantes como o Plaza Athenée, do estreladíssimo Alain Ducasse, na lista da revista Restaurant.
Com o uso de ingredientes ultra frescos, Gastón faz uma culinária onde os tradicionais pratos da cultura peruana, como o ceviche, são trabalhados de forma inovadora, gerando fusões com outras cozinhas e agregando ingredientes novos e resgatando outros que foram retirados por causa da adequação ao gosto moderno, contaminado por uma ideia de platitude comercial. Com isto o sujeito já abriu filiais por muitas cidades do mundo mas, infelizmente, ainda não tem nenhuma no Brasil.
Vai ficar para a próxima.

É nóis na fita





Mesmo com um apelo popular no título deste post, na verdade ele vai falar de um elitismo único. Ontem, em Londres, foi anunciado o rol dos 50 melhores restaurantes do mundo, premiação do The S. Pellegrinno World's 50 Best Restaurants, elaborado pela publicação britânica Restaurant. Nosso conterrâneo Alex Atala, chef do D.O.M., em São Paulo, foi classificado como o 7º melhor do mundo, o que não é pouco. Atala vinha calcando degrau por degrau esta lista exclusiva fazendo uma culinária de excelência usando ingredientes brasileiros em versão criativa. É um mérito estar entre os dez melhores numa lista encabeçada pelo darling da hora, o restaurante Noma, da Dinamarca, que é conduzido por um talento jovem, o chef René Redzepi.
Mas não paramos por aí, em 59º lugar está o chef Salvatore Loi, do refinado Fasano, e em 74º lugar está a dupla Helena Rizzo e Daniel Redondo, chefs do restaurante Mani, ambos também na capital paulista. É para festejar muito esta ascenção da culinária brasileira no reconhecimento mundial o que só confirma o que vem sendo dito por muitos experts da gastronomia: o Brasil será a bola da vez depois da fase "cozinha molecular" que Ferrán Adriá cravou por anos e agora se retira do cenário. É esperar para ver.

Eisbein




O eisbein, conhecido popularmente como joelho de porco, é mesmo um joelho de porco. Não chega a ser um prato repulsivo para o brasileiro, especialmente por termos na nossa culinária coisas até mais estranhas usando partes menos nobres do coitado do porco, que é o caso da feijoada. Como moro em região onde a cultura alemã se instalou a mais de um século, ver nos açougues locais esta parte da anatomia suína sendo exposta e vendida com naturalidade é fato corriqueiro.
O eisbein, nome chic oriundo da cultura germânica, é muito saboroso pois contém carnes que ficam em contato com as cartilagens e o osso do joelho, o que faz com que, ao ser cozida, sejam liberados sucos que a transformam num macio e perfumado prato. Eu gosto muito de fazer o dito cozido em um caldo temperado com legumes e especiarias, mas desta vez optei por fazer a versão defumada para dar um contraste com o acompanhamento delicado que resolví fazer.
Bem, como sempre eu vou à cozinha num domingo, já que minha semana é trabalhando e comendo o trivial que, às vezes, nem me excita para vir até este blog fazer postagens, o que justifica o espaçamento entre uma e outra atualização.
Planejei fazer o eisbein com dois dias de antecedência para que pudesse ser-lhe dedicado durante a manhã dominical. Nada é mais chato do que ter que interromper a pilotagem de um fogão para sair à rua à procura de algo que faltou na receita, daí o ritual que começa com o meu isolamento pacífico em casa, com a escolha de uma música tranquilizadora e com o preparo prévio dos ingredintes.
O joelhão ficou descongelando (só conheço o defumado na versão iceberg) desde a noite de sábado, e, antes de levá-lo ao preparo, fui no quintal à caça de viçosas taiobas que cresciam felizes em torno da piscina. Sim, elas serão as companhias vegetais desta peça carnuda já que, além de fazer contrastes nas papilas gustativas, tirarão também a culpa possível que ainda me assombra por causa dos 9 anos da minha vida que me dediquei à dieta vegetariana.
Com cuidado tirei a carne da embalagem, não sem antes ler cuidadosamente as sugestões de praparo temeroso de que a ingestão do vinho durante a atividade culinária me causasse uma possível amnésia alcoolica (rs...). O preparo era simples e assim procedí: untei uma travessa com manteiga (uma sutil camada fina) e nela depositei a peça besuntada com uma nada sutil camada do mesmo derivado do leite. Com o forno pré-aquecido em fogo médio, coloquei a travessa e lá a deixei quietinha. Não demorou muito o som do crepitar da pele que envolve as carnes suinas fez parceria com o cool jazz da trilha que já saía nas caixas de som. Depois de 20 minutos assando, abrí o forno e dei uma viradinha para assar também do outro lado por outros 20 minutos, abrí novamente e virei de novo a peça para deitá-la do lado da pele e aumentei a temperatura para alta e deixei outros 20 minutos.
Enquanto a carne cumpria sua missão nesta vida, eu preparei o acompanhamento. Para dar suporte à minha invenção, - improvisada com materiais que estavam no armário da cozinha clamando por serem comidos antes dos prazos de validade vencerem - preparei meia cebola picada em cubinhos disformes, meia xícara de arroz tailandês (mas pode ser feito com outro qualquer) e as tenras folhas da taioba, rasgadas com os dedos, que descansaram lavadinhas no escorredor. Providenciei anteriormente um caldo de frango que já tinha sido retirado do ostracismo do freezer e estava quentinho numa chaleira na trempe do fogão.
Numa panela coloquei um delicado fio de azeite onde deitei as cebolas choronas que fizeram um bom dueto crepitante com o eisbein no forno. Logo que elas ficaram transparentes coloquei os grãos do arroz tailandês, não sem antes visualizar aqueles lindos terraços onde os orientais plantam este alimento ancestral, e, após leve mexidinha, coloquei o caldo para ativar o cozimento. Assim que deu uma reduzida no líquido, dei uma provadinha na textura dos grãos para ver se estavam cozidos (tem que ser al dente) e fui lentamente dosando e agregando as conchas do caldo até que ví que bastariam. Neste ponto adicionei as folhas de taioba para que se misturassem àquilo que me conscientizei ser um risoto nada tradicional. Corrigido o sal, estava tudo OK para ir à mesa.
É inacreditável a visão do eisbein saindo do forno: o perfume exalado enche nosso olfato de promessas felizes e o visual é um nocaute na fome: a crosta pururuca, sequinha, é uma ofensa às dietas (todas elas...). Tive o cuidado de retirar o joelho da travessa e pousá-lo num papel absorvente para retirar um pouco da manteiga derretida que se depositou no fundo do cozimento. Após isto ficou perfeito.
Finas fatias da carne (com pedacinhos crocantes da pele) e algumas colheres do risoto de taioba desenharam no prato um quadro inigualável, uma verdadeira proposta estética (a fome altera nossa percepções, com certeza), e quando o fio verdinho do azeite grego perpassou a cena, aí só mesmo a felicidade suprema de comê-lo a ser vivida.
Um Penfolds Shiraz e Cabernet acompanhou o repasto soltando suas notas sublimes que faziam cada garfada ser renovada e tudo parecer novo a cada saboreada.
Gente, a vida é linda.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um prato só




É muito comum a gente ter na nossa agenda, ou no nosso mapa mental particular, um lugar onde sabemos ter uma comida muito boa, principalmente quando se trata de comida do dia-a-dia, aquela que vai matar nossa fome mas permite também outras alegrias. Alguns destes lugares são estabelecimentos que ficam conhecidos através de uma propaganda boca-a-boca que ressaltam suas qualidades e, assunto deste post, por fazerem um prato só, certeza de um porto seguro, ou, no caso, de uma mesa segura.
Estas casas de restauração chegam a agregar ao seu nome comercial o nome próprio de alguém, seja o proprietário ou alguém amantíssimo dele (filhos, por exemplo), e assim ficam conhecidas como "a feijoada do fulano", "a traíra do sicrano" ou o "feijão tropeiro do beltrano".
Com tamanha relação com o público, muitas destas casas dispensam o cardápio e o atendimento chega a ser minimalista: "Vai querer o feijão?" Claro! Estamos alí para comer "o" feijão. E ele vem rapidinho à mesa pronto a justificar tamanha fama. Na minha cidade natal existe uma traíra sem espinha que arrasta multidões que não se importam de ficar na fila passivamente esperando a hora de degustar "a" traíra. E as expressões de felicidade dominam o ambiente de mesas simples, público eclético e atendimento quase personalizado. Esta cultura do esquema "um prato só" nasceu pela consagração das pessoas, muito antes de serem estratégias de marketing. Normalmente o acerto prevalece e - ah, não podemos esquecer isto - é barato e farto.

A roupa e o homem


Estou orientando na universidade dois alunos que, num ato de coragem extrema, resolveram fazer sua monografia final de conclusão do curso de arte em gastronomia. Se falo e exalto suas coragens é porque sou um estudioso das artes da cozinha e comsigo ver os desdobramentos e interfaces da mesma com o universo da arte contemporânea, coisa que algumas pessoas do meio acadêmico ainda não enxerga. Ancoro-me no grande link entre a cozinha e o conceito artístico que foi definitivamente feito por Ferrán Adriá, mítico chef espanhol, que, ao ser convidado para ser um dos artistas a compor o time da Documenta, refinada mostra de arte contemporânea que acontece em Kassel, na Alemanha, demarcou o território das artes da comida dentro do mundo das reflexões artísticas.
O encontro com estes dois alunos - Anna e Lucas - me renova como professor, pesquisador e como pessoa. Nossa conversas, por mais que estabeleçam mais perguntas do que respostas, gera um estado de alegria interna em nós que vale todo e qualquer esforço na direção da realização pessoal. Eu os vejo com os olhos já fixos no horizonte profissional na área da gastronomia mostrando a certeza disto na vida deles e o encantamento pela arte da comida é fato real. Percebo isto no olhar fixo de Anna que ouve atentamente tudo que falo com ela, e a mim só resta viabilizar o assunto dentro do formato acadêmico e estabelecer o fluxo do rio das ideias de ambos no sentido de desaguar num oceano maior, que é o exercício transformador do alimento em experiência estética.
No nosso último encontro, um deles, o Lucas, abriu a molchila que carregava e dela retirou sua roupa de chef, que usa nas aulas práticas que cursa em outra instituição. Numa performance muito natural, desdobrou o avental, a jaqueta e a toque blanche e os vestiu na simplicidade de que aquilo já faz parte da sua rotina, mas ao vê-lo vestido daquela forma e - principalmente - ver seu olhar iluminado pela alegria de ter se encontrado nesta altura da vida, onde a maioria dos jovens navega num mar de dúvidas, me fez sentir uma emoção única. Aquele uniforme tomou outra dimensão vestido por aquele sujeito e o "fez". Tal como uma armadura esta roupa preservava dentro dela uma pessoa ciente de sua contribuição para o mundo.
Tenho certeza que ambos farão um trabalho exemplar para todos que virão após eles.

Na mesa do bar




Tive um encontro afetivo/profissional nesta semana com colegas acadêmicos para discutir um livro que vamos publicar (a parte profissional) e para sentarmos na mesa de um bar para colocarmos a vida em dia (a parte afetiva). Fomos a um bar tradicional da cidade, o Bar do Bigode, que é um ícone da balada de muita gente. Finalizar a jornada de trabalho - ou iniciar um bom fim-de-semana - no lugar parece ser uma ação freqüente para muitos que encontram alí um sítio ideal para o descarrego das tensões. Ou não: o simples convívio humano que bares promovem pode ser a chave para a felicidade.
Se não se chega cedo é impossível sentar nas mesas, daí a porta e o passeio em frente virar uma estensão do espaço da casa. Por alí transitam fregueses, garçons e também um comércio de rua onde os vendedores ambulantes ficam passando entre o público oferecendo uma série de coisas que vão desde um artesanato feminino até ofertas de cartões administrativos (juro!!!). Mas nada impede que o principal aconteça: o bom papo e uma comida que só se faz alí. Não sei se chamar os petiscos do Bigode de "comida" pois foge um pouco deste formato ancorado na nutrição. O forte da casa são os tira-gostos, a maioria de feitura cuidadosa, sendo que o torresmo é quase um monumento à comida de boteco local. E é mesmo muito bom. A lotação da casa demonstra isto.
Esta peça da culinária da casa pode chegar à mesa à pururuca, acompanhando uma mandioca frita no ponto, ou seja, crocante por fora e cremosa por dentro. Mas a forma mais sedutora desta parte do porco - infeliz coadjuvante da nossa alegria gustativa - é a "ponta", parte da barriga do suíno onde predomina a carne com uma fina e necessária camada de gordura, que vem à mesa fatiada, cheirosa, suculenta e frita no ponto certo. É uma maravilha. Tal qual certa propaganda televisiva diz: "É impossível comer um só". E dá-lhe uma gelada caipirinha (ou cerveja, para os aficionados)para regar tudo: o torresmo, a mandioca frita e o papo revigorante com amigos queridos.
Se você não conhece, não sabe o que está perdendo.

domingo, 3 de abril de 2011

Alone again, naturally...


Domingão em casa.
Muito trabalho atrasado para ser posto em dia e pouco tempo para comer algo que não seja prático e de fácil preparação. Lá fui eu para a cozinha ver o que dava para ser cometido com o material armazenado. Logo veio a ideia de fazer um prato que gosto e que é de preparo rápido: macarrão com molho de gorgonzola. E vamos lá com esta receita amiga dos que comem sozinho e fazem sua própria refeição:
- Numa panela grande, com água a fartar, colocar um pouco de sal logo após a fervura e deixe flutuar a massa escolhida. No caso coloquei um punhado de macarrão integral comprado num mercadinho do bairro da Liberdade em SP, que se presta a comer sem culpa. Assim que estiver al dente, escorrer num escorredor apropriado ( o meu é um autêntico Stark, produzido pela Alessi. Sorry!!!)
- Enquanto a massa cozinha, pegue uma frigideira e deixe cair uma fatia generosa de manteiga e assim que a mesma estiver derretida (não deixe queimar) acrescente fatias finas de queijo gorgonzola a gosto (de modo proporcional à quantidade de massa cozida) e deixe dar uma derretida. Pode colocar um pouco de leite para evitar que o queijo grude no fundo ou então coloque cuidadosamente o creme de leite fresco de modo a permitir que tudo se transforme num molho encorpado.
- Depois que o ponto deste molho de queijo estiver ao seu gosto, acrescente um pouco de noz moscada (ralada naquele maravilhoso ralador apropriado que você tem), dilua e jogue algumas passas brancas para dar um toque açucarado à receita.
- Feito isto é só jogar a massa no molho, misturar e colocar num prato king size e regar com um azeite extra virgem e colocar um pouco daquela pimenta malagueta que você cura a meses num vidrinho junto com louro, alecrim, orégano e outras especiarias. Esta ardência fará um bom diálogo com o doce das passas e com o ácido do queijo.
- O resultado final é de aparência quase minimalista: branco sobre branco, mas ao levar esta comida à boca o que se percebe é que existe um Deus e que ele te ama.
- Ah, não se esqueça de abrir um vinho tinto para acompanhar o prato. Um bordeaux cai bem, ou então vá logo de um Cabernet Sauvignon que faz qualquer bobagem dominical virar um banquete.
Salut!!!

Sem dar nome aos bois





De volta à rotina retomei minhas refeições nos lugares que já elegí como meus prediletos. Leia-se: boa comida, prêço justo e ambiente amigável. Detesto ir a restaurantes onde sua relação com os atendentes é burocrática o que, claro, se repete com sua relação com cozinha: indiferente. Devido a esta situação prefiro ir almoçar em lugares onde a predomina o inverso deste raciocínio, e é o caso de um restaurante que frequento a muito tempo, desde que era uma portinha aberta para a rua (hoje ocupa um largo ambiente) e que me segura pela boca e estômago.
Situado na parte low da principal rua da cidade onde trabalho, é odiado por 9 entre 10 amigos que não acreditam que vou lá comer, já que possuem um território urbano em suas cabeçs onde a relação qualidade é diretamente ligada a enderêço. Balela.
O lugar que cito - e que ocultarei o nome - é amplo e bem apresentado, com limpeza absoluta, além de decoração única: reproduções de Van Gogh ornam com categoria as paredes confirmando Benjamin e sua "obra de arte na época da reprodutibilidade técnica".
Um balcão de entrada nos aguarda com petiscos populares e o pastel é imbatível: massa encorpada e recheio temperado na medida. A comida fica nos fundos, à vista de freguês, e oferece o trivial da comida popular, porém feito de modo cuidadoso: a rabada, a feijoada, o bife à milanesa, o frango frito (divino!) e a batata frita (esta de fazer o McDonalds corar de vergonha) se alternam como o "prato do dia" e fazem a alegria dos carregadores, dos ferroviários, dos pedreiros, dos camelôs, dos populares e também dos professores universitários que recorrem ao lugar no seu dia-a-dia. E é só felicidade.
O atendimento é entre o eficiente e o folclórico, já que fica à cargo de membros da família proprietária que fazem o que podem da maneira que querem, o que imprime ao lugar uma atmosfera de casa da gente.
Algumas placas fixadas nas paredes mostram o espírito da casa: "É proibido dividir prato", "Mais de um pedaço de carne será acrescido de x reais", "Marmitex que não fechar será cobrado x reais a mais", e por aí vai. Isto resume o espírito popular e caseiro do lugar. Risível e repleto de uma felicidade quotidiana.
Não só gosto deste folclore todo como conseguí ficar amigo da família proprietária da casa. Pena que o excesso de cuidado com as suas heranças familiares impeça que meus amigos acreditem em mim e não vão lá comigo. Com isto, continuo comendo sozinho, o que justifica o nome deste blog.
Ah, tem uma cachaça lá que abre as portas do paraíso...he...he...