segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Por Londres e Paris
Vou dar uma sumida porque estarei por algumas semanas fazendo uma visita a Londres e Paris onde pretendo, tal como eles, londrinos e parisienses, frequentar bons enderêços que oferecem uma culinária que seja marcante e torne um repasto corriqueiro em um momento inesquecível. Para isto Londres está cheia de lugares onde se come fish and chips - e algo além deles - e de pubs aconchegantes; e Paris, que está repleta de bistrôs, cafés e restaurantes que alimentam o corpo e a alma. Assim que voltar atualizo o blog com as vivências da viagem. Abraços a todos.
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Somos o que comemos...
O Brasil tinha só 27 anos de descoberta quando nasceu o pintor italiano Giuseppe Arcimboldo (? 1527 — 1593 ?). Depois de uma formação e uma atuação nas artes em várias cidades da Europa, ele se tornou adepto de um movimento posteriormente intitulado Maneirismo, ou seja, um grupo de artistas que pintavam "à maneira de..." e que dava ênfase ao aspecto espiritual da arte, assunto recorrente como podemos ver nas obras de outros pintores como El Greco e Tintoretto. No entanto, estes dois artistas citados estiveram ligados à religiosidade católica e Arcimboldo não, já que, por morar naquele período em Praga, uma corte católica, a cidade tinha total independência em relação à Igreja Romana e seus monarcas eram de grande tolerância em relação a outras religiões e crenças. Ali conviviam juntos judeus, cristãos e ocultistas.
O ocultismo foi uma referência importante para Arcimboldo, como vemos em suas paisagens antropomorfas - nas quais corpos e faces humanas são sugeridos pela representação dos relevos, das árvores, das pedras, e de outras coisas de uma paisagem - e em suas séries ligadas à natureza, por exemplo, em uma das séries de estações do ano feitas para Maximiliano II: Primavera, Verão, Outono e Inverno. Nestas, o artista fez referência ao gênero do retrato, preservando a opulência do retrato cortesão, mas construiu seus personagens a partir de imagens da fauna e da flora, elementos que, no século XVII, estariam presentes no novo gênero da natureza morta. A diversidade de possibilidades de interpretação a partir das composições "estranhas" de Arcimboldo é um dos motivos que levaram, durante muito tempo, ao seu esquecimento pelos historiadores. Existe em sua obra uma identidade dual, tanto no jogo visual que proporciona - bastante explicito na obra O Cozinheiro -, como em um jogo de sentidos ocultos que ele sugere - ponto que relaciona o artista com seu antecessor, Hieronimus Bosch. O historiador Arnold Hauser fala de Arcimboldo como um "maneirista pervertido" - termo ótimo - e estabelece conexões entre ele e o movimento modernista do Surrealismo.
Assim como foi com a maioria dos artistas maneiristas, após a morte de Arcimboldo o interesse por sua obra diminuiu, chegando quase ao esquecimento, talvez pela estranheza que podem causar suas imagens. Foi apenas no século XX que este e outros maneiristas foram resgatados, recebendo a atenção e o valor que merecem.
Arcimboldo figura aqui como um artista alegórico que representa muito bem a composição física do homem como um ser onívoro, que é composto pelo que come. Achei que esta citação daria um interessante link num blog sobre comida.
Espinosa falou...
No século 17, na sua obra Ética, o filósofo Espinosa escreveu:
Por certo, só uma feroz e triste superstição nos proíbe de ter prazeres. Pois o que é mais conveniente do que saciar a fome e a sede ou expulsar a melancolia? Portanto, usar as coisas e deleitar-se nelas tanto quanto possível é próprio do sábio.
Sem comentários...
Fechado?
Na rua da Conceição, na parte entre o Praça Quinze e a Marechal Floriano, no centro do Rio, fica o Café e Bar Rio Paiva, mais conhecido como Bar do Jóia. Passei por lá recentemente e estava fechado, o que espero que não seja definitivo pois o tradicional lugar fez, em 2008, cem anos. O "Jóia" do nome veio do proprietário, falecido em 2007, e, desde então, é Dona Alaíde, sua viúva, que fica por trás do balcão recebendo uma freguesia fidelíssima que faz do bar um lugar único na cidade.
Num ambiente pra lá de descontraído, com portas abertas para a rua, o Jóia possui coisas que o fazem peculiar, como, por exemplo, um frango ao molho pardo de comer de joelhos. Fora o quesito "menu" outra coisa é marca da casa: toca música clássica durante os serviços. Nada que impeça a espontânea formação de uma roda de samba num sábado de feijoada, mas dá para perceber que as surpresas são freqüentes por lá.
O Jóia é um típico boteco carioca, perdido numa rua apertadinha na qual pensa-se não se encontrar nada interessante, mas, como outras coisas na vida, citando Guimarães Rosa, a felicidade a gente encontra nas horinhas de descuido.
Confeitaria Colombo
Eu já comentei em outro blog que tenho (www.afonsopost.blogspot.com) minha devoção à Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro. Creio que não estou sozinho nesta paixão pois quando vou lá (é lugar obrigatório nas viagens que faço à cidade) não é raro ver os olhos daqueles que a vêem pela primeira vez brilharem de encantamento: o ambiente refinado, os espelhos gigantes, a abóbada colorida, as mesas de mármore, as cadeiras de palhinha e as vitrines repletas de docerias sedutoras, tudo se mescla num deleite que vai lá na alma dizer: Como é bom estar vivo! Exagero? Não acredito.
Uma das coisas que um lugar como este, de beleza materializada, agrega é a história, seja a compartilhada, seja a individual. Aquela rua apertada no centro do Rio onde fica a Colombo nos leva a imaginar o que era no seu esplendor, repleta das pessoas que eram a vida da cidade. Ainda é assim, claro, mas os relatos de Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo e João do Rio mostram isto com eloqüência: a alma encantadora das ruas é que faz a polis. Hoje o espaço compartilhado abriga todos os "comuns" ( em outras palavras: nós!)que se apinham nos balcões, nas mesas e na porta, no mesmo espaço que abrigava a refinada sociedade do Rio de século atrás, comunidades que se agora se complementam unidas pelo democrático usufruto do lugar.
Tenho um documentário chamado "Rio de Memórias", que fala da chegada da fotografia no Rio de Janeiro, e a parte que mostra o que era a cidade na virada do século XIX para o XX não exclui os "almofadinhas" de pé na porta da doceria num "flirt" com as "cocotes". Isto ainda está lá, invisível, travestido de história, impregnado naquelas paredes, cristais e salões.
Fora isto - ou incluído a isto - está a culinária tradicional da confeitaria, exposta nas vitrines repletas de doces ( e também de salgados) onde gosto de ver meu rosto refletido como se pudesse ser um com aquilo tudo. Só rindo...Deixa meu médico saber disto! No salão superior - acessável por um charmoso elevador - se pode almoçar tendo uma visão previlegiada da casa e, claro, de um bufê assustadoramente farto. Gosto de ver a surpresa dos estrangeiros ( Como os franceses são maioria!!!) vendo a brasileiríssima miscelânea de diferentes culinárias, decidindo entre um prato da culinária bahiana ou um coq au vin. Com o azeite de dendê devidamente dosado, vence o vatapá, o acaçá ou a peixada. Aos orixás o nosso louvor!!!
Bem, já andei por muito canto deste mundo e sem medo afirmo que não há lugar igual.
sábado, 5 de fevereiro de 2011
Tristeza, por favor vá embora...
Por minhas andanças no centro do Rio é impossível não reviver situações de quando ía lá criança, junto com meu pai. Se havia um lugar onde ele tinha grande prazer em ir era no restaurante Penafiel, na esquina da N. Sr. dos Passos com a av. Passos. Eu continuei frequentando o local devido à sua deliciosa culinária portuguesa, que era servida em diferentes pratos que ficavam em grandes panelas no fundo da casa onde a gente se servia com fartura familiar. Que decisão difícil era a escolha, meu Deus, tantas eram as maravilhas.
A casa, fundada em 1913, resistiu bem ao tempo graças à sua comida, pela freguesia fiel e também (e acima de tudo) por sua atenciosa dedicação a quem lá ía comer. Com uma decoração que sofreu poucas interferências,- e que por isto mesmo ficou clássica -, estar lá era um retorno no tempo que só dava alegrias. Me lembro em criança de ficar olhando encantado a vitrine onde eram feitos arranjos com os peixes e frutos do mar, bem ao estilo das casas portuguesas, e de como meu pai brincava comigo dizendo que o polvo e seus tentáculos estava vivo.
Levei um amigo francês para comer lá certa vez e ele não se cansava de fotografar tudo, adorando os lustres originais que, hoje, são reconhecidas peças de design originalmente brasileiro. Como eu não meço esforços para resguardar minhas afetividades, pedí ao proprietário, depois de um lauto almoço, que me vendesse um prato com a marca da casa gravada, só para lembrança. Ele disse que sim, foi na cozinha e trouxe um embrulhado num papel marron e me disse: "É presente da casa". Ao abrí-lo em Minas ví que havia um cartão onde ele e os funcionários me desejavam felicidades. Caraca!!! Um troféu!
Pouco tempo atrás fui até lá e fui assaltado por uma tristeza imensa: o Penafiel tinha fechado. Sentí aquelas dores íntimas que só a gente reconhece e me restou o lamentar. Hoje, no lugar do Penafiel, existe um McDonalds.
Casa Paladino
Lá no fim da Uruguaiana, esquina com Marechal Floriano, fica a Casa Paladino. É um dos meus lugares prediletos do Rio porque ainda conserva sua estrutura original, o que me faz lembrar lugares da minha infância em Minas, com seu ar de "secos & molhados"e com um relógio parado no tempo que encima tudo. Repleta de artigos como azeites e sardinhas portuguesas, laticínios variados - entre eles a manteiga Aviação -, vinhos, licores e destilados importados, além outras tentações, a casa tem ainda uma parte para comidinhas rápidas, tipo sanduíches, etc., mas cuja peça mór são as fritadas de camarão, bacalhau e outros recheios que, acompanhadas por um azeite regado com fartura e um pãozinho francês, fazem a alegria dos esfomedaos no fim da tarde. Fora o chopp, mas isto é outro assunto.
Fico emocionado de ver locais como este resistirem ao avanço da "mudernidade". Lá dentro eu sinto que me visto de história e percebo que o fio da vida não foi cortado.
Ah, os garçons são assunto à parte, mas só indo lá para conferir.
Outro Troisgros
Fui conferir no Rio, mais exatamente no Leblon, o novo empreendimento do chef Claude Troisgros. Mais do que estabelecido na vida gastronômica da cidade, o inquieto francês - acho que já está mais para brasileiro - resolveu abrir um bistrô ao qual chamou CT Boucherie.
Como o nome já diz, a especialidade da simpática casa são as carnes, mesmo tendo também peixes no cardápio. De qualquer forma aproveitei a beleza da manhã de verão que fazia e fiz uma caminhada lenta até o lugar e acabei chegando um pouco cedo, em torno do meio-dia, o que para o povo carioca é hora de ainda estar na praia. E qual não foi a minha surpresa de já encontrar a casa com alguns lugares tomados. Dei sorte, meia hora depois a lotação era total, tanto na parte de dentro como na varandinha aberta para a charmosa Dias Ferreira. A conclusão de que a casa está na onda foi inevitável, e realmente o restaurante tem decoração simpática e bem-humorada, com os donos posando numa foto enorme com os aventais sujos de sangue, e dos desenhos dos cortes do boi por toda a parede. Mas vamos ao repasto.
Pedí um baby beef, que veio rápido e preparado do modo que queria - bleeding...- acompanhado de uma mousse verde e do molho poivre num recipiente à parte. Fora isto havia outros acompanhamentos que vinham delicadamente dentro de peças de louça ou panelinhas de ferro: farofa de panko (um hit da casa!), finíssimas batatas fritas e bananas em fatias também fritas. Como se não bastasse, os garçons se revezam na oferta de outros acompanhamentos que são oferecidos com sua descrição completa: purê de mandioquinha, tomatinhos ao forno recheados com farofa, ratatouille, legumes cozidos, purê de maçã com maracujá (maravilhoso!),xuxú ao molho branco gratinado, arroz "doido" (ou seria "maluco"?) com legumes e bacon, e um perfeito "risoto-sem arroz" de quinoua com shitake. Ufa!!! Mas sendo comedido nas porções dá para experimentar um pouquinho de cada. Escolhí um vinho carmenére para companhar e caiu bem. No fim do almoço caí na tentação e pedí uma mousse de chocolate "de colher", que veio acompanhada de um creme holandês e uma forofa crocante, gostosa, sem muito açúcar. Expresso, petit four e a conta fizeram o cair da cortina.
Resumindo, foi um almoço prazeiroso, só me incomodando alguns dos fregueses presentes que insistiam em falar initerruptamente ao celular e como o lugar é pequeno, ouvía-se tudo com riqueza de detalhes. E se não bastasse, certa altura começaram a retirar das malas e bolsas imensos lap tops para serem manipulados como se fosse a última coisa a fazer. Que coisa mais chata!!!
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