segunda-feira, 30 de maio de 2011

O que é isto?


Conviví muitos anos com um amigo que, além de amigo, era um excelente gourmet. Uma das coisas que ele mais comentava comigo era sobre a sua descendência de uma enorme família alemã que veio ganhar a vida no Brasil no início do século XX, se estabelecendo na nova terra no comércio de carne de porco, como proprietários de açougues e abatedouros. Imagina-se o que era a chegada deste pessoal por nossas plagas e a dificuldade de aprumar economicamente. Segundo o amigo a coisa não era fácil e isto se refletia na mesa da família.
Como a origem do dinheiro era da venda de carne de porco, as partes nobres do suíno eram todas comercializadas, sobrando para o consumo de casa aquilo que conhecemos como "as partes menos nobres". Seguindo o relato do nosso personagem, às vezes pousava na mesa coisas inidentificáveis saídas das entranhas do porco, ou seja, os "miúdos", assim como as extremidades físicas do bicho, como o rabo e as patas, além do focinho, orelhas e etc. Mas o exímio preparo tornava tudo mais fácil de encarar e, no fim das contas, esta culinária se tornava comida de infância e daí entrava no referencial gastronômico das pessoas. Além de virar cultura.
Comer é ato cultural, daí termos tantas coisas que causam repulsa em povos diferentes ou em pessoas diferentes. No caso do nosso porquinho esquartejado, acredito até que conseguimos traçar de modo democrático as suas partes baratas (afinal o critério é econômico) diluídas em muitos pratos da culinária nacional. A feijoada, o angú a baiana, a farofa, e outros quitutes fazem parte da nossa vida desligados deste conceito de "comida estranha", mesmo que os restaurantes tenham banidos muitas destas iguarias exatamente pela questão do preconceito ou do prêço. Mas como tudo possui energias complementares, a culinária brasileira que marca seu território no universo gastronômico mundial firma seu espaço exatamente por estar resgatando hábitos que foram banidos pelo "chiquê" da tal culinária internacional.
Sai o modismo das excentricidades importadas e entra a tradição brasileira e neste arrastão começa a tomar lugar esta cozinha genuína que fala à boca, ao estômago e ao coração.
Eu tô adorando isto.

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